domingo, 30 de março de 2014

A Verdadeira Invasão dos Marcianos, de João Barreiros




Sinopse:

“Estamos em 1902, cinco anos depois da Invasão Marciana, que quase destruiu por completo o nosso planeta. Para responder ao assalto, a Europa, Rússia e Estados Unidos esqueceram as divergências ideológicas, étnicas e económicas, e formaram o mais gigantesco complexo militar-industrial da história da humanidade. Missão: ocuparem Marte e mostrarem aos marcianos sobreviventes quanto custa atacar traiçoeiramente a espécie humana. Num dos assaltos, os jornalistas Jules Verne e H. G. Wells, pacifistas por natureza, sonhadores de uma utopia não sabem o que fazer. Ainda por cima naufragaram no hemisfério sul do planeta a milhares de quilómetros do local de poiso do exército terrestre. As perguntas parecem não ter resposta: Que criaturas são essas, os Priiiiik, espécie de avestruzes inteligentes que parecem ter sido escravizadas pelos polvos? Verne e Wells vão tentar em vão resolver o mistério. Infelizmente a resposta só virá cento e cinquenta anos mais tarde. Misto dos géneros ciberpunk e steampunk, este livro revela uma nova faceta de João Barreiros no seu humor mais negro.”


Opinião:

Este é um livro que tem, na verdade, duas vidas. Mais do que nos dar duas histórias, ele mostra-nos duas versões de uma mesma história, como se ela fosse vivida por diferentes pessoas, em tempos diferentes. A sinopse da editora dá uma grande ênfase à primeira, mas penso que ela só faz sentido se lermos também a segunda. São como duas “irmãs”, que por vezes se tocam, por vezes andam em paralelo, outras vezes parecem “circulares”, como se o João Barreiros estivesse a brincar com o tempo.
Embora as duas versões não tenham que ser lidas pela ordem apresentada - “Não Estamos Divertidos” primeiro e “A Verdadeira Invasão dos Marcianos” depois - como sou uma menina bem comportada, foi isso que eu fiz.

Parti para este livro com grandes expectativas. É certo que queria conhecer um pouco da obra do João Barreiros, mas esperava, acima de tudo, que pudesse ter aquilo que habitualmente gosto de ter num livro: bons momentos de entretenimento e alguma reflexão. E posso afirmar que me senti amplamente recompensada!
Estamos perante uma grande ideia que está muito bem desenvolvida, que nos faz pensar e, ao mesmo tempo, diverte, e cuja escrita, irónica, direta (algo “seca”, até), nos envolve. Apesar das personagens serem humanamente algo desagradáveis (não é fácil sentir empatia por elas), a trama é bastante cativante. Este é um daqueles raros livros em que, não sentindo verdadeiramente ligação com nenhuma daquelas personagens, senti-me sempre motivada a continuar a leitura!
E eu deixei-me levar! E por vezes dei por mim em caminhos bem estranhos! Por exemplo, ao ler sobre uma certa e determinada raça, imaginei logo o resultado de um acasalamento louco entre a Leopoldina do Continente, e o Poupas, da Rua Sésamo! Mesmo hoje, a recordar essa imagem, não consigo deixar de me rir!
E, na segunda parte, não consegui evitar deliciar-me com a personagem do Dr Goodfellow e as suas rebeldias, dando por mim a rir interiormente, de cada vez que ele “dava a volta por cima”. Lembro-me particularmente da cena em que ele destruiu parte da sua cidade, num acto desenfreado de desafio e criatividade…. De repente, era eu que estava aos comandos daquela máquina infernal, a lançar raios em todas as direcções, e do prazer quase perverso que isso me estava a dar… he he! Genial! Até deixei escapar um muito teenager comentário: “que cena altamente!!!”

Entusiasmo à parte, tenho noção que minha experiência de leitura foi limitada, pois o livro vive muito das várias referências aos nomes maiores da FC, às suas obras e personagens. Conhecia já os nomes de Verne, Wells, Burroughs e Bradbury, mas, tendo lido apenas o primeiro, e pouco, certamente muitas referências me passaram ao lado, sobretudo as mais subtis, que deverão fazer as delícias de quem é conhecedor. Este é um dos grandes trunfos do livro: se até uma leiga como eu em matéria de FC o consegue apreciar, imagino um fã do género!

Outro dos pontos fortes do livro é a sua dupla natureza.
Tem, por um por lado, uma vertente mais lúdica, para quem pura e simplesmente procura desfrutar de uma boa história. Por outro lado, tem uma face mais séria, que nos leva a reflectir, numa espécie de sátira sócio-cultural mordaz – presente sobretudo na segunda história, que me trouxe à memória a cruzada do Sr. Barreiros contra a manipulação dos hábitos de leitura, contra a tirania tendenciosa do mercado editorial. Esta é uma obra que reflecte esta sua filosofia, mostrando-nos o João Barreiros de intervenção, e não apenas o (re)criador de mundos.

Para acrescentar a todas estas qualidades, há ainda um detalhe importante: estamos perante não só um excelente livro único (mais uma prova de que uma boa história não tem, necessariamente, que ser uma série, ou uma trilogia), mas também um livro que tem o tamanho adequado – os calhamaços têm tendência a assustar alguns leitores, e, sobretudo, algumas carteiras!

Resumindo: não sou fã de FC, sou fã de um livro que “agarre” e que perdure na memória, e este é excelente nestas duas coisas. Além disso, é um livro que quero reler, assim que me tenha esquecido dos pormenores e, dessa vez, para ser também eu um bocadinho de Goodfellow, vou ser do contra e começar pela última parte. :)

Sugestão SDE - Comunicação com os leitores



Viva pessoal,

Partilho convosco uma mensagem que deixei na página do facebook da SDE, penso que foi algo que era a referência da Editora mas que atualmente e de forma estranha deixou de acontecer, o que lamento.

É a minha opinião, considero importante as pessoas manifestarem as suas opiniões, sejam elas contra ou a favor da minha e espero que a Editora volte ao que já foi :)

Podem comentar quer no blog quer na página da SDE aqui



Venho desta forma deixar uma sugestão à Editora.

Não tenho a menor duvida que a Editora o que mais deseja seja vender bem e que os seus leitores se sintam satisfeitos.

Tenho acompanhado a evolução da Editora ao longo dos anos e penso que a COMUNICAÇÃO com os leitores que em tempos foi, para mim, uma das mais valias da Editora, a sua imagem de marca mesmo, tem com estas mudanças de plataformas de informação vindo a mudar.

Compreendo que uma revisão (não falo de traduções pois não leio nas versões originais) menos bem conseguida possa acontecer.

Nunca entendi bem os motivos da divisão dos livros, onde tenho as minhas mais sinceras duvidas que traga mais leitores às sagas / livros. Acredito que faça com que cada vez mais as pessoas esperem por packs, mas são estratégias que a Editora lá entende serem as melhores, está certo.

Compreendo que fase as circunstancias do mercado muitas sejam as sagas que fiquem a meio e dando como exemplo apenas da coleção BANG que é a que mais gosto, são já muitos que estão a ficar par trás deixando obviamente os leitores insatisfeitos ( Douglas Adams, Frank Herbert - assumido que iriam publicar 3 livros -, Fritz Leiber, Peake, Moorcock, Scott Lynch - sempre assumiram que apenas iam publicar apenas o 1º volume, embora me entristeça - entre outros que deixaram, aparentemente de publicar como  Jacqueline Carey e a Robin Hobb por exemplo) e nem falo dos Romances Históricos que são muitos deles do melhor que já li, como as aventuras de Flashman e a serie Asteca e claro de outras chancelas, mas compreendo que possam estar a vender menos bem, digamos assim.

Embora possa dar uma imagem menos positiva, a sucessiva alteração de publicações de lançamentos previstos e anunciados para determinadas datas que estão a ser com alguma regularidade alteradas sem data prevista de lançamento, tem a minha compreensão pois são muitas as circunstâncias que podem fazer com que isso aconteça, tudo bem.

Agora a forma como estão a comunicar com os leitores nos locais oficiais como é o caso da página do Facebook, onde os seus leitores lhes perguntam sobre determinado escritor, o que está previsto para o mês seguinte sendo que a uns respondem e a outros não, não posso concordar. 

Que a aposta noutros mercados como é o caso do Brasil possa ser prioritário e a tirar imenso tempo à Editora, até compreendo, mas responder a uns e não responder a outros penso que não fica bem, pois repito é um local oficial da Editora.

Que não respondam a todos, compreendo, embora só fique bem responderem ao máximo de leitores, mas nós que somos os clientes e leitores dos vossos livros merecemos uma COMUNICAÇÃO mais assertiva, não conseguem responder no dia, respondem passado uma semana, mas respondam ou então assumam qual a estratégia de comunicação atual, até para os clientes / leitores saberem onde e como se dirigirem.

E para que fique claro a todos os que possam ver esta sugestão como algo negativo, tenho parceria com a Editora, quem me conhece sabe que defendo a Editora sempre, mas também tenho o direito de criticar algumas coisas que acho menos bem e que sinto serem possíveis melhorar.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Vida Roubada de Adam Johnson



Vencedor do prémio Pulitzer 2013: Uma saga de amor, esperança e redenção no país mais fechado do mundo. 



Vida Roubada segue a vida de Pak Jun Do, um jovem no país com a ditadura mais sombria do mundo: a Coreia do Norte.


Jun Do é o filho atormentado de uma cantora misteriosa e de um pai dominante que gere um orfanato. É nesse orfanato que tem as suas primeiras experiências de poder, escolhendo os órfãos que comem primeiro e os que são enviados para trabalhos forçados. Reconhecido pela sua lealdade, Jun Do inicia a ascensão na hierarquia do Estado e envereda por uma estrada da qual não terá retorno. Considerando-se “um cidadão humilde da maior nação do mundo”, Jun Do torna-se raptor profissional e terá de resistir à violência arbitrária dos seus líderes para poder sobreviver. Mas é então que, levado ao limite, ousa assumir o papel do maior rival do Querido Líder Kim Jon Il, numa tentativa de salvar a mulher que ama, a lendária atriz Sun Moon. 


Em parte thriller, em parte história de amor, Vida Roubada é um retrato cruel de uma Coreia do Norte dominada pela fome, corrupção e violência. Mas onde, estranhamente, também encontramos beleza e amor.

Opinião:

Um livro muito bom, mas que não é, seguramente, fácil de comentar dado a complexidade do enredo bem como a forma como é narrado pois estamos sempre a mudar de narrador e a dar saltos temporais, mas que, com o decorrer do tempo, acabamos por começar acompanhar. 

É, sem dúvida, uma leitura fascinante, pois acabamos por conhecer melhor um país totalmente diferente do que estamos habituados, os seus hábitos, cultura e tradições e embora possam ser relatados alguns factos algo exagerados, acabam por se enquadrar bem com o enredo e acima de tudo, dada a sua crueldade, fazer-nos pensar como é possível nos dias de hoje ainda haver este tipo de mentalidades. 

Como referi, o enredo é complexo, mas acabamos por verificar que o escritor tem tudo bem pensado e acaba por surpreender com a qualidade do trabalho apresentado, percebe-se o porquê da atribuição do prémio. As personagens são interessantes, embora em abono da verdade a que mais me tenha cativado seja a principal Jun Do, dada a sua complexidade e por todas as situações por que passa, sendo a que mais me marcou sem dúvida. Quanto à escrita, numa primeira fase algo descritiva, mas que acabamos por apreciar com o decorrer do tempo.

E nada como terminar com algo dito na sinopse:

"Em parte thriller, em parte história de amor, Vida Roubada é um retrato cruel de uma Coreia do Norte dominada pela fome, corrupção e violência. Mas onde, estranhamente, também encontramos beleza e amor."

"Vida Roubada merece um lugar ao lado das distopias clássicas como Mil Novecentos e Oitenta e Quatro e Admirável Mundo Novo."


—Barbara Demick, The Guardian


Livro excelente :)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Contadora de Histórias = uma certa raposa caminhante


O amigo Fiacha não descansa enquanto eu não fizer um comentário sobre a minha, ainda muito curta, experiência como contadora de histórias. Ele quer que eu vos fale de como esta actividade encheu o meu mundo e como têm corrido as sessões que tenho feito.

Pois bem, como o corvo é insistente, aqui estou para vos falar um pouco de histórias e desse mundo fascinante que é a narração oral. (Aqui que ninguém nos ouve, só tenho a agradecer ao Corvo todo o apoio, divulgação e amizade nesta minha aventura, tem sido um apoiante fantástico).

O Rui Ramos já partilhou connosco, de uma forma extraordinária, o que é a narração oral, bem como toda a experiência que possui nesta área. O elo fortíssimo e mágico que existe entre o contador e o ouvinte e que ele tão bem consegue criar. 

As histórias, os contos sempre fizeram parte da minha vida desde que me lembro de ser gente. A minha mãe contava-me histórias quando era criança e elas faziam-me sonhar com mundos longínquos e ter amigos fantásticos. Infelizmente a minha mãe não gostava de fantasia, a realidade era um ponto-chave para ela e as suas histórias que à luz do dia eram reais, mas durante a noite, esvoaçavam pelo meu sonho transformando-se em pequenos seres míticos, florestas perdidas com árvores sussurrantes e quedas de água misteriosas. Aí, no mundo dos meus sonhos, eu era a que viajava, a que procurava novas aventuras para me divertir.

Mais tarde este gosto intensificou-se. E desde sempre me vi a ler histórias, contos de todos os “géneros e feitios”. Caminhei sempre entre os mundos, o real e o da fantasia. Procurei na natureza, a beleza dos velhos trilhos que percorria em criança, nos meus sonhos e encontrei-os.

Mais recentemente conheci os contadores, “seres” que surgiam em livros, em tempos antigos e muito na minha imaginação. O bichinho mordeu mais forte e um empurrão foi o suficiente para que me lançasse nesta aventura.

Após duas formações sobre narração oral, lancei-me a fazer a minha primeira sessão de contos nas vésperas do Natal, mais precisamente a 21 de Dezembro e como não podia deixar de ser as histórias eram sobre o Natal. 

Contei “Um conto de Natal” de Charles Dickens e “A Lenda da Rosa de Natal” da Selma Langerlöf. São duas histórias que escolhi porque têm a ver com a época em que estamos (uma sessão a três dias do Natal tinha mesmo de ser relacionada) e porque eu gosto do Natal e gosto muitíssimo destes dois escritores.

A primeira história, provavelmente já a conhecem: Mr. Scrooge e os fantasmas do natais passado, presente e futuro. (existem várias versões cinematográficas ).
A segunda fala da floresta de Goinge, Suécia, que se veste de gala na véspera de natal, transformando uma paisagem branca, cheia de neve, no mais belo jardim que existe à superfície do planeta. Selma Langerlof, para quem não saiba, é uma escritora sueca e foi a 1ª mulher a ganhar o Nobel da literatura, em 1909. Ela escreve muito sobre a região onde vive, misturando a tradição das lendas e contos populares com o fantástico, na pele dos pequenos seres que surgem nas florestas, gnomos, duendes e fantasmas entre outros.

No dia 21 de Fevereiro tive a minha segunda sessão de contos. Um pouco nervosa, pois ainda são muito recentes as minhas andanças neste mundo dos contos, lá fui até à GataFunho para contar quatro histórias, que achei serem representativas do tema: fantasia. 

Vou apresentar um pequeno resumo de cada uma das minhas escolhas, bem como um pequeno excerto das histórias.

O Estudante e o seu filho – Gene Wolfe

Para quem não conheça, Gene Wolfe é um escritor norte-americano que escreveu, entre outros “O Livro do Novo Sol”. Este é composto por cinco volumes, onde Severian, habitante de um mundo a que o autor apelidou de Urth (provavelmente uma distorção de Earth, a Terra), nos escreve a viagem que empreendeu desde a sua infância, um aprendiz de torturador, até ao seu derradeiro final.

Uma viagem que passa pelo conhecimento do seu mundo e consequentemente pela história do seu próprio planeta. É também, na minha opinião, uma viagem pessoal, à sua voz interior ou às mil vozes que o compõem. Quem é este homem, dono de uma memória infalível, como ele próprio tantas vezes afirma, é a questão que colocamos desde o início até ao fim de cada livro. 

Durante a sua viagem Severian fez-se acompanhar de um pequeno livro de capa castanha “O Livro de Urth” que é composto por um conjunto de pequenas história que ele vai lendo ao longo do caminho. É pois uma dessas histórias que escolhi para partilhar com o meu público.

“O Estudante e o seu filho” fala-nos de um estudante, que no final do seu treino para mágico, cria um filho de carne a partir da matéria dos sonhos. Este jovem, criado a partir dos sonhos, parte numa missão para salvar as donzelas, que foram aprisionadas por um ogre que vive numa ilha circundada por um imenso labirinto de canais e braços de mar. Neste pequeno resumo, parece uma história como tantas outras em que o herói parte para salvar a princesa às garras do Dragão. 

Mas é muito mais do que isso. A escrita de Wolfe é quase poética, cheia de significados e simbolismos, obriga-nos a uma leitura atenta. O percurso feito pelo jovem até ao seu destino está cheio de pequenas peripécias e de descrições de toda a envolvente. E o sonho, mais uma vez, sabemos que “comanda a vida”, e comanda toda esta história.


A Sombra - Hans Christian Andersen

Apesar de ser mais conhecido como escritor no campo da literatura infantil, Hans Christian Andersen destacou-se igualmente como escritor do conto fantástico no final do século XIX, do qual “A Sombra” constitui um bom exemplo pela subtileza e criatividade expressas neste conto.

O tema não era novidade, foram vários os contos que surgiram em que o Homem perdia a sua sombra e várias as interpretações que se davam a esta questão. Por um lado uns defendiam a sombra como sendo um reflexo da alma, logo perder a sombra era a perda da alma; outros porém defendiam que ela é a essência do ser humano, o “duplo” que cada um de nós possui. Alguns ainda defendiam que podia ser um desejo de estar junto da pessoa amada que levava à separação.

Mas Andersen cria uma Sombra que se emancipa, que vinga no mundo e prospera. O reencontro final não é o que esperamos, e o mundo não se compadece de quem defende os valores da beleza e da justiça.


Smith de Wootton Major – J.R.R. Tolkien

Este foi o último conto, do autor, a ser publicado (1967), antes da sua morte em 1973. 

Em Wootton Major é realizado um banquete de 24 em 24 anos, no qual o cozinheiro “municipal” tem de fazer um bolo para 24 crianças que são convidadas. Tem de ser um bolo único e especial. No meio da massa do bolo é colocada uma pequena estrela que alguma criança irá engolir sem dar conta. Uma estrela mágica que mudará a sua vida para sempre.

O tempo e espaço de “Smith de Wootton Major” são claramente os do conto de fadas. Aqui é possível viajar entre mundos, o dos humanos e o dos “Faërie”. Tolkien sempre se debateu contra aqueles que não acreditavam em fantasia e esta história pretende retratar esta questão. 

As fadas da teoria de Tolkien partilham com os Elfos os segredos sobre a natureza e o mundo há muito esquecidos pelo homem, eles são seres inteligentes, sensíveis e detentores de capacidades extra-sensoriais que remontam à formação do mundo e que lhes permitem viver numa harmonia cósmica inigualável.

Numa localidade onde só acreditam em fadas, as crianças e alguns adultos, surge a prova de que os “Faërie” realmente existem e Smith tem em seu poder o passaporte para esse mundo.


O Bicho-Papão – Dino Buzzati

A história começa com o engenheiro Roberto Paudi a chegar a casa e ver a ama do seu filho a deitá-lo e a dizer-lhe que, se não ficasse quieto, o bicho-papão apareceria. Indignado, ele repreende-a com estas superstições tolas e sem fundamento, capazes de provocar sérios danos na psique imatura do filho. É claro que houve quem não gostasse de ouvir esta reprimenda e nessa mesma noite, os sonhos do engenheiro Paudi, foram bem animados com a presença desse visitante que pode assumir as formas mais diversas e que foi apanhado pelo próprio, quando de manhã tentava sair sorrateiramente do quarto através da parede.

O que sucede a seguir é uma verdadeira caça ao Bicho-Papão, num mundo onde o poder público é tão abusivo ao ponto de tentar destruir o que é enigmático. 

Dino Buzzati escreve este conto onde o ponto fulcral é a morte da fantasia e da ternura, frente a um despotismo político.


Ontem Dia Internacional do Contador de Histórias, resolvi fazer uma pequena sessão no meu local de trabalho e após a autorização, convidei os colegas que quisessem para assistir. Foi muito bom porque estiveram todos (menos dois) presentes. Muito sinceramente, sei que uns foram porque gostam de uma boa história, outros provavelmente participaram por curiosidade (deixa ver como esta se safa! ).

Contei duas histórias, uma de Marina Colasanti “Com sua voz de mulher” e “A sombra” que já referi em cima.

A primeira história fala-nos de contadores de histórias, como surgiram e qual o seu papel entre nós, era adequada ao dia. (podem ver a história no meu blog ).

Ao final do dia ainda participei num encontro pequeno, mas fantástico, de contadores na Gatafunho (livraria onde faço as sessões) onde ouvi, contei e sobretudo aprendi imenso.

Se quiserem saber mais sobre as minhas "andanças" neste caminho de aventuras podem segui-las no meu blogue

quinta-feira, 20 de março de 2014

Terra Fria de Manuel Alves


Sinopse:


Uma octogenária em fim de vida recebe a visita de um padre aposentado, para a última confissão, e ambos revisitam o passado na esperança de exorcizarem demónios de consciência. Décadas antes, a mulher fora denunciada à PIDE por um bufo que depois desapareceu sem deixar rasto juntamente com o agente enviado para investigar a denúncia.


Opinião:


Penso que alguns se recordam que o escritor já foi alvo de mensagem neste blog Manuel Alves onde foi destacado o excelente trabalho que está a desenvolver e penso que mais cedo ou mais tarde se tornará um escritor reconhecido em todo o pais, pois não pára de nos surpreender. 

Já tinha tido a oportunidade de ler um trabalho escrito pelo Manuel, onde tinha ficado surpreendido com a qualidade e simplicidade da escrita, com personagens comoventes e uma história de vida muito interessante e mais uma vez através de leitura conjunta sou novamente surpreendido com as mesmas qualidades que já me tinham agradado tanto, mas com um enredo diferente.

Este livro fala de um determinado período do nosso país e através da história de pessoas simples, mostra-nos o que foi a PIDE e como actuavam, como pessoas inocentes eram severamente barbarizadas pela Policia do Estado, mesmo que apenas quisessem proteger a sua família.

É verdade que o livro não mostra quem verdadeiramente a PIDE perseguiu, pessoas que se tinham que reunir à noite, mudar constantemente de casa, viver em constante receio com o serem denunciadas, pois quem se opunha ao regime ditatorial de Salazar é que era alvo de perseguição e maus tratos, mas ainda assim penso que é um tributo para algo que não devemos esquecer ,que fez parte da nossa história e que com muito sangue ajudou a que acabássemos com um regime ditatorial, algo que devemos sempre lutar para que não se repita e são histórias de vida que não devem apenas ficar em memória, muita gente lutou por um Portugal melhor.

Um livro comovente, com personagens reais mas que acabam por nos cativar e se tornar à sua maneira complexas por tudo o que passam, com uma escrita simples, um enredo bem estruturado, um apelo à luta pelos nossos ideiais, à luta pela liberdade. Estamos, sem dúvida, perante mais um excelente trabalho do escritor.
Quantas Esmeraldas e Silvérios não devem ainda existir por esse pais fora e que de forma silenciosa ajudaram muita gente a fugir da PIDE ou mesmo alvo de espancamentos ? 

Leiam que não se vão arrepender, o livro custa 1,5€ em e-book, tive a sorte de ter o meu com dedicatória (nem sabia que se podia fazer em livros digitais), podem ter a certeza que vale bem cada cêntimo empregue e claro desta forma saberem que há qualidade nos nossos escritores emergentes e o Manuel Alves é mais uma prova disso, que a mim apenas acabou de confirmar mais uma vez.

Um e-book vale 1,5€ ? Vale sim senhor ;)

Podem adquirir o livro no Smashwords aqui é só escolherem o formato ;)

terça-feira, 18 de março de 2014

Halloween de Nadia Batista






"Halloween é um conto próprio desta altura do ano, com um grupo de jovens que decide brincar com o que deveria ser deixado em paz..."

Não é um novo pergaminho da amiga Guardiã mas sim um e-book da nossa amiga Nádia Batista, presença regular deste blogue e que finalmente decidiu partilhar um trabalho que já tinha escrito colocando-o disponivel para leitura no Smaswords que podem ler aqui.

Uma história que podem ler de forma gratuita e em menos de 10 minutos, logo seria interessante que comentassem depois de o lerem :D

Não sendo um conto extraordinário, nada disso, é uma história escrita de forma simples, bem construida e que sinceramente sabe a pouco, pois tinha potencial para mais, ainda assim não deixou de ser uma leitura agradável.

Verdade seja dita que se não conhecesse a Nádia, dificilmente leria esta história, mas sendo a escritora quem é, nem me sentiria bem se não divulgasse o seu trabalho, que como referi tem potencial e dedicado a uma época muito especial e não deixa de ter momentos atrevidos eheheh.

Amiga Nádia Batista, parabens pela coragem de publicares o teu trabalho, gostei e só te posso desejar as maiores felicidades e nada de ficar com os nervos em franja, tens o teu talento, seja ele objeto de criticas positivas ou negativas, é normal e nada de te deixares ir abaixo seja com o que for e claro conta com o amigo corvo para divulgar os teus textos, continua :)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Divulgação vários - SDE



Sinopse:

Esta é uma história verdadeira sobre os últimos anos de vida de Charles Dickens e sobre o terrível acidente que o levou a investigar cadáveres, criptas e fantasmas. Venha conhecer o lado negro e desconhecido do maior autor vitoriano... 

A 9 de junho de 1865, quando viajava para Londres de comboio com a sua amante secreta, Charles Dickens – no pico da fama como o mais genial romancista do mundo – é vítima de um acidente que muda a sua vida para sempre. 

Obcecado com visões de um homem de nome Drood que avistara no local do acidente, inicia uma vida dupla onde se dedica à investigação de cadáveres, criptas, ópio e fantasmas e torna-se frequentador dos subterrâneos de Londres. Quem será Drood? Um criminoso? Ou o produto da imaginação fértil e insana do grande escritor? Baseado nos detalhes históricos da vida de Charles Dickens narrados por Wilkie Collins, outro grande escritor da época, Dan Simmons explora os mistérios em torno dos últimos anos da vida de Charles Dickens e poderá providenciar a chave para o seu último romance inacabado: O Mistério de Edwin Drood.

Todos os livros deste escritor são mais do que recomendados pelo corvo, mas aqui está um pack a não perder, finalmente disponível no site da SDE, que podem por exemplo juntar o livro do Tim Powers - Vodu das Caraíbas que está a 5€, ver aqui e escolher outro livro grátis conforme sabem :)




Sinopse:

Um pequeno livro com grande impacto! A não perder. 

Um ladrão entra por um banco dentro armado com uma pistola pronta a disparar, mas não pede dinheiro. Em vez disso, exige a cada cliente o objeto que tenha para si maior significado. O ladrão parte e todas as vítimas do assalto sobrevivem, mas coisas estranhas começam a suceder-lhes pouco depois: a tatuagem de uma sobrevivente salta-lhe do tornozelo e persegue-a; outra acorda e descobre que é feita de rebuçado; e Stacey Hinterland descobre que encolhe, gradualmente, umpouco a cada dia que passa, e nada que o marido ou o filho possam fazer conseguirá inverter o processo. 

A Esposa Minúscula é uma fábula sobre como podemos perder-nos nas circunstâncias e encontrar-nos no amor de outra pessoa.

Parece interessante, já está em pré-venda :D




E para quem é adepto de romances aqui está mais uma excelente campanha para adquirir livros da SDE, através da Revista Sábado a um preço bem interessante, aproveitem ;)

Podem ver os livros disponíveis aqui 
Não perca, entre 13 de Março e 24 de Abril, dois livros por semana, da nova colecção SÁBADO, que reúne romances de autores de bestsellers como J. D. Robb (pseudónimo da escritora americana Nora Roberts) e Jim Mansell. Cada volume custa apenas 4,99 euros (nas livrarias o preço chega a 18,85 euros). 

13 de Março
'Bruxa de Elite' e 'Bruxa e Detective', ambos da norte-americana Kim Harrison.

20 de Março
'Três é Demais' e 'Jogos Secretos', de Jill Mansell.

27 de Março
'O Caçador de Sonhos' e 'Dança com o Diabo', de Sherrilyn Kenyon.

3 de Abril
'À Solta na Noite' e 'Jogos na Noite', de Sherrilyn Kenyon.

10 de Abril
'Antes Bruxa que Morta' e 'A Beleza é de Todas Nós', de Kim Harrison e Katherine Center.

17 de Abril
'Testemunha Mortal' e 'Oferenda Mortal', de J.D.Robb.

24 de Abril
'Conspiração Mortal' e 'Vingança Mortal', de J.D.Robb.



quinta-feira, 13 de março de 2014

Recomendações João Barreiros - Golfinhos na FC

Aproveitando a excelente mensagem que Wavegirl fez sobre golfinhos, a qual, poderão ler aqui e aproveitando as sugestões deixadas pelo Tio João Barreiros na mesma, sobre a presença destes animais na FC (género que como podem verificar tem verdadeiras pérolas e que considero que se deve divulgar) deixo então aqui as sugestões apresentadas.

O primeiro livro "O Modelo de Jonas" de Ian Watson onde estão presentes golfinhos e orcas, pode ser adquirido, caso não esteja esgotado por, por apenas 3,50€ vejam aqui






"O Modelo Jonas é aquele onde implantam o cérebro de um astronauta numa baleia. Quando um astrofísico descobre que Deus morreu e que o Universo se está a apagar, o implante do cérebro do astronauta recebe essa informação e transmite-a às baleias. E estas suicidam-se. Todas. No mundo inteiro. Terrível." - João Barreiros




"Naves espaciais com tripulação "mista", humanos e golfinhos. Portanto parte da nave está alagada, claro. Os golfinhos falam através de um tradutor e carregam um arnês com mãos mecânicas. Fascinante. " João Barreiros

Outro livro em conta como podem ver aqui




"De Alexander Jablokov, "A deeper sea", cérebros de golfinhoa são implantados em dondas espaciais, para poderem mergulhar nos Oceanos de Júpiter." João Barreiros




"E depois temos o "Fortunate Fall" do Raphael Carter, onde uma orca lesbo, prisioneira numa base abandonada na antiga união soviética, consegue, através de um Avatar humano no Ciberespaço, contactar com uma jornalista e depois arranjar uma paixão obsessiva por ela. Um livro terrivel e belissimo sobre um amor maldito e impossível." João Barreiros




"Do australiano, Sean McMullen, as baleias são utilizadas como máquinas de guerra. São telepatas. E obrigam aqueles que se encontram próximos da costa a suicidarem-se no mar. Moral da história: as baleias revoltam-se. E ninguém, ninguém mais no mundo inteiro vai poder aproximar-se da costa. Fim da civilização humana. " João Barreiros

 



" No planeta Cachalote, um mundo quase totalmente aquático, vivem as espécies de cetáceos que a espécie humana em tempos maltratou. Espécies ressentidas, claro. Espécies que voltam a atacar os portos e as bases humanas. A história passa-se no mesmo universo HUMANX de que a colecção Caminho chegou a publicar alguns volumes, claro, fora de sequência."


"Rorqual Maru é uma baleia gigantesca, parte ciborg, parte orgânica, recolectora de plancton, até à morte de todos os oceanos da terra. Semi morta, saudosa da Humanidade que entretanto sobrevive em gigantescos Cortiços, Roqual aguarda anos a fio, encalhada num recife de uma ilha deserta, que mãos humanas voltem a tocar-lhe. Este livro, juntamente com o anterior, HALF PAST HUMAN, é uma das grande obras-primas da FC."


"Depois da Guerra do Milénio que deixou o planeta à beira da agonia ecológica, as poucas baleias sobreviventes iniciaram em conjunto uma "canção" redentora. Algo que envergonhou os japoneses responsáveis por tantos massacres de golfinhos e baleias. Absorver a mensagem cantada assumi-la como uma culpa milenar e abandonar o planeta. A bem ou a mal."



"Bi e Fa falam. Falam através de um descodicador. Falam com o Dr. Sevilla e dizem-lhe que não querem mais falar. Porquê? "Ora, porque o homem não é bom". Os serviços secretos querem utilizá-los para "assassinarem" o Presidente dos Estados Unidos, acusar os comunistas, e iniciar uma terceira Guerra Mundial. Não se esqueçam que o livro foi escrito em 1967, em plena guerra do Vietname, onde os golfinhos eram de facto utilizados para colocarem minas magnéticas nos cascos dos navios inimigos. Uma obra-prima. Aprendam a ler em francês, pequenada."


Que posso dizer, apenas que com comentários a uma mensagem, o João Barreiros deixa um vasto rol de sugestões e só lamento que publicado por cá apenas tenhamos dois livros, mas para os amantes de bons livros e que tenha possibilidade de ler na versão original ficam as sugestões :)

Para quando uma mensagem dedicada ao melhor da FC João Barreiros ? Nada como divulgar um genero tão mal tratado pelas Editoras nacionais



terça-feira, 11 de março de 2014

A minha profissão: Contador de Histórias



A pedido do nosso grande amigo Fiacha, venho dissertar um pouco sobre a minha actual actividade profissional: Contador de histórias.

A contar histórias para adultos em Lisboa

  

A minha visão pessoal sobre esta arte milenar:

Existe um contador de histórias em cada um de nós. Se é verdade que o ser humano é mais que ADN, é o somatório das histórias que viveu ou conheceu, também é verdade que sente necessidade de as partilhar com o próximo. Por conseguinte, o ser humano é um contador de histórias nato, pois é a contá-las que comunicamos de forma apelativa uns com os outros. É através do tipo de histórias que contamos que cativamos aqueles que nos rodeiam, e é através do tipo de histórias que ouvimos que aprendemos e/ou escolhemos amizades, partidos, facções, religiões ou outras causas quaisquer.

Se todos somos contadores, o que separa um profissional do resto da população?

O que o separa é a sua capacidade de fazer acreditar o ouvinte numa história, por algum motivo, empresários, políticos e vendedores têm vindo a receber formação em storytelling (estrangeirismo que quer dizer exactamente contar histórias, mas que é usado para conferir-lhe seriedade e remover potenciais equívocos com os contos de fada infantis, depreciativamente designados por “histórias da carochinha”).

Mais que um educador, mais que um guardião do património cultural de um povo, sociedade ou civilização, um contador de histórias é um timoneiro. É aquele que conduz os ouvintes por uma viagem que começa na nossa realidade espaço-temporal, passa por um espaço-tempo diferente (passado, futuro, real ou imaginado) povoado por pessoas/seres fictícios ou não, e termina de novo na nossa realidade e, quando chega ao fim, o público tem a distinta noção que alguma coisa mudou.

Mesmo sem nunca nos termos deslocado no espaço, o nosso cérebro quando ouve uma história, se estiver devidamente cativado pelo contador, viaja e visualiza aquilo que nos é descrito ao longo do conto. O contador cria as condições para desenvolver um estado alterado de consciência. O público experimenta uma sensação de sonhar acordado, onde as mentes mais sugestionáveis vivem a aventura como se estivessem no conto. Já tive casos, em que os espectadores mais influenciáveis, ou imaginativos se preferirem, integraram literalmente o conto, encarnado personagens ou falando directamente com algumas delas, avisando-as dos perigos que corriam ou dos males que estavam prestes a cometer.


Aqui estou numa sessão infantil, acompanhado por uma menina do público a encarnar espontaneamente o gigante do João Pé de Feijão.

Mas para que esse grau de entrega do ouvinte ocorra, é necessário confiar no contador. Por isso, os profissionais mais bem sucedidos, antes de contarem as histórias, preparam o público antes dos contos, recorrendo a diferentes técnicas, mas todas com o mesmo objectivo, criar laços com os ouvintes. O êxito da história vai depender da capacidade do contador de histórias em estabelecer essa relação de cumplicidade, afinal, só contamos histórias, revelamos segredos ou novidades a quem confiamos mais, aos amigos e familiares, certo?

Ao fim de quatro anos a contar histórias e a dar formações na área, apercebi-me que no fundo, a história acaba por ser secundária. O mais importante é a relação que se estabelece com o público, a cumplicidade que se gera e nos permite perceber qual a história que mais lhes interessa ouvir e não a história que estivemos uma semana a preparar para lhes contar, pois muitas vezes, essa não está de acordo com o comprimento de onda que recebemos dos ouvintes. O contador não deve impor a história e deve sempre estar atento às mudanças de humor do seu público, sob pena de o estar a maçar e perdê-lo irremediavelmente. Assim, a história deve ser o mais orgânica e flexível possível, permitindo cortes ou acrescentos, consoante o feedback recebido da parte do público, sem, no entanto, destruir a essência da sua mensagem.

Existem vários tipos de contadores de histórias, várias escolas, várias filosofias, como em qualquer arte, contudo defendo que um contador não deve ser escravo do texto que cristalizou a história. Deve sim, ser um manipulador astuto, absorver a sua essência, revesti-la com o seu cunho pessoal e libertar a história no mundo com um novo encanto, com um estilo próprio que nos diferencia dos restantes contadores. Não somos escritores, nem moderadores de leitura, nem tão pouco actores, mas sim contadores, é uma arte distinta com as suas técnicas próprias, que podem partilhar alguns pontos em comum com as outras artes, mas que não se esgotam na literatura, leitura ou representação, por isso, não devemos ter medo de dar o nosso contributo pessoal. Quem conta um conto acrescenta um ponto, o nosso ponto de vista.

Como é a vida de um contador de histórias profissional:

O contador de histórias profissional é um artista que vive da sua arte, como qualquer outro artista. Existem, tal como os cantores ou actores, contadores que atingem o patamar de vedeta graças ao seu talento, singularidade e capacidade de gestão da sua carreira artística, frequentam festivais nacionais e internacionais, recebem várias solicitações de trabalho um pouco por todo o lado, fazem-se pagar bem pelos seus serviços e movem grupos de fãs incondicionais, assim, como também existem contadores desconhecidos que circulam em meios demasiado localizados, com pouca visibilidade e que recebem muito mal pelo seu trabalho.

Modo geral, os contadores de histórias profissionais, em início de carreira tem que trabalhar muito em troca de muito pouco, no máximo de locais que conseguirem, por vezes, até de graça, só para mostrarem e promoverem os seus talentos. Necessitam de bater de porta em porta e ter bastante auto-confiança, muita motivação e engenho para superar as sucessivas recusas (que serão muitas, pois para além do mercado ser bastante pequeno, fechado e competitivo, a crise veio trazer a desculpa perfeita para receber/exigir serviços de borla… ou quase).

Assim, com um panorama tão negro, a maioria dos contadores é forçado a ter mais que uma ocupação profissional, uma vez que o mercado nacional não é suficiente para o sustentar, a não ser que não se importe de ter uma vida espartana. Contudo, se forem perseverantes, profissionais, souberem promover-se e o trabalho apresentado for realmente bom, as solicitações começarão a surgir em maior número e o nome artístico acabará por ser divulgado e fixado e com sorte e jeito para o negócio, passarão a ser remunerados pelo que realmente valem.

O que os leva a contar?

Cada contador terá a sua resposta pessoal, eu poderei dar-vos a minha numa das minhas sessões de contos, ficam desde já convidados.

Mas de todos os motivos possíveis há um que me agrada particularmente e que uma pessoa mais sábia que eu ilustrou no conto tradicional passado em Praga que vos vou partilhar:

Era uma vez, um rapaz chamado Jacob que adorava histórias, em particular o efeito que elas exerciam em si: tinham o poder de o tornar uma pessoa melhor. Um dia, Jacob decidiu que podia mudar o mundo contando histórias. Determinado, saiu de casa, atravessou a ponte da sua cidade sobre o rio e chegado à praça principal, subiu para o banco que levava consigo e começou a contar histórias. Logo da primeira vez, Jacob cativou 30 pessoas, durante 15 minutos. Nada mal para primeiro dia! Com certeza que da próxima vez, iria conseguir cativar muitas mais.

No dia seguinte, saiu de casa, atravessou a ponte da sua cidade sobre o rio e chegado à praça principal, subiu para o banco que levava consigo e começou a contar histórias, mas desta vez, foram menos as pessoas que se desviaram das suas rotinas para o escutar e as que o fizeram, foi por pouco tempo. Nos dias que se seguiram foram ainda menos e por menos tempo, até que por fim, ninguém parou.

Mesmo assim, Jacob não desistiu de querer mudar o mundo e todos os dias regressava à praça principal para contar histórias do alto do seu banco. O tempo passou e Jacob deixou de ser um rapaz, o seu rosto enrugado pela longa exposição aos elementos, encobriu-se de longas barbas grisalhas e a sua voz cristalina ficou rouca e grave de tanto contar.

Um dia, porque chega sempre o dia, Jacob foi interrompido. Ao fim de tantas décadas a contar para si em voz alta no meio de uma praça, ignorado pela multidão que passava atarefada, Jacob atraiu a atenção de um menino que admirado, o abordou.

- Senhor, sois louco? Não vês que ninguém vos escuta?

- Sim, é verdade. – respondeu o velho com simplicidade.

- Se ninguém vos escuta porque continuais a contar histórias?

Ali estava um pergunta que atingiu bem fundo a alma do velho contador. Porque continuava ele? Jacob teve que parar um pouco para pensar.

- Bem, se antes contava histórias para mudar o Mundo, agora conto para que o Mundo não me mude a mim.


Assinado por: Rui Ramos - promotor do  projecto de narração oral "O Baú do Contador".

domingo, 9 de março de 2014

A Serva do império - vol. 2 de Raymond Feist e Janny Wurts



Sinopse:


"Tudo o que um fã de fantasia poderia esperar. Este é um livro a ler mesmo para quem não leu a saga anterior." -Locus 


Os tempos mudaram e as formas de poder são hoje mais subtis e traiçoeiras. Nenhum clã pode sobreviver sem conhecer as intrigas do Jogo do Conselho. E todos o sabem. Mara dos Acoma está mais implacável do que nunca. Com a vida do seu filho em perigo e a continuidade da sua Casa ameaçada, a Senhora dos Acoma usa de todos os meios para controlar a crueldade dos seus inimigos. 


Dotada de uma destreza intelectual invulgar, Mara dos Acoma coloca em causa não só as tradições dos Tsurani, como as suas próprias convicções. Neste jogo de sentimentos e poder, poderá não haver um vencedor…


Este volume é a segunda parte de A Serva do Império, pertencente à magnífica saga épica de Feist e Wurts – uma das colaborações mais bem-sucedidas de todos os tempos no estilo fantástico.

Opinião:


Bem começa a ser difícil escolher qual o melhor livro que li até ao momento, tal é a qualidade do que tenho tido a sorte de ler desde o início deste ano. Apenas posso dizer que este é o melhor livro que li do Raymond Feist. 

Embora os dois primeiros livros da saga “O Mago” não me tenham enchido as medidas, nos livros seguintes fiquei realmente surpreendido e rendido ao escritor, mas esta saga, com menos elementos fantásticos e muito mais centrada em jogos políticos ainda consegue ser melhor que a anterior, pelo menos na minha opinião. 

Uma saga toda ela muito centrada em Mara, pertencente à casa dos Acoma, uma jovem que desde cedo vê matarem o seu pai e irmão, devido aos meandros da política, acabando por tornar-se a líder dos Acoma e tentar que a sua casa não seja extinta. E nada como citar algo da sinopse: 

"Dotada de uma destreza intelectual invulgar, Mara dos Acoma coloca em causa não só as tradições dos Tsurani, como as suas próprias convicções. Neste jogo de sentimentos e poder, poderá não haver um vencedor…" 

É óbvio que há muito mais do que Mara a nível de personagens cativantes, sejam elas boas ou más, temos vilões do melhor que já li, descrições de combates ao melhor nível, surpresas com o surgimento de assassinos quando menos se espera, complexidade de enredo e claro amizade, romance que acaba por nos comover e deixar-nos ficar plenamente satisfeitos com o que acabamos de ler, mas sempre com muito sofrimento. Crueldade não falta! 

Ainda me faltam ler os restantes livros, mas fiquei triste com a forma como uma personagem foi retirada de cena (vilão). Acredito que o melhor ainda esteja para vir e agora compreendo o porquê de muitos leitores desta saga clamarem por mais aventuras. 

Rendido a ambos escritores pela qualidade do trabalho apresentado e sem dúvida que a continuar assim, Feist terá muitos mais livros por cá publicados o que me deixa plenamente satisfeito.

sábado, 8 de março de 2014

Crónicas do Corvo Negro - Pergaminho do Guardião de Momentos

Mais um belo Pergaminho que surgiu esvoaçando por aqui ....

Crónicas do Corvo Negro - Pergaminho do Guardião de Momentos

Porque razão guardamos momentos? Que importância têm as memórias na nossa vida? Porque razão sentimos necessidade de imortalizar experiências, momentos vividos, imagens que adoramos? 

O meu coração responde-me que o fazemos para partilhar com o mundo o que conhecemos e vivenciámos, ou simplesmente, o fazemos para poder reviver para sempre o que fisicamente só se viu/sentiu/viveu escassos momentos e uma vez apenas. Chamamos a este ato retratar uma realidade. 

O meu coração diz-me ainda, que um retrato guarda palavras infinitas, que só um olhar saudoso as consegue libertar e acordar significados. Uma imagem retratada permite guardar tesouros para a eternidade, mantendo a verdade e a beleza do seu momento, da sua origem. Permite, também, partilhar com o mundo o que os olhos vêem, o que coração guarda, o que a alma cresceu com ela. Afortunado aquele que vê para além das sombras e das aparências. Afortunado aquele que vê simplicidade num mundo admirável de conhecimento e cor, e que, por harmonia e paz, sustentabilidade e conservação, a capta com amizade.

O tempo também guarda momentos. É destes momentos que se faz história. Aqui, neste lugar vasto de corações abertos e de sentimentos comuns, há um momento que foi guardado num pergaminho, um momento revelador de tão nobre guardião de momentos. 

Este é um pergaminho que encontro guardado por um corpo de flores vivas, coloridas e amadas. Porque guardam uma preciosidade, abrigam memórias que não se esquecem porque são envoltas em lugares especiais que as mantêm vivas por alegres e duráveis tempos. Porque a felicidade é um dar e receber entre todos os seres do mundo e essa lealdade de ser, proporciona a geração de um lugar perfeito, são e equilibrado. 

O membro procurado pelo anfitrião é um viajante de sentidos, um homem de um tempo que é presente e que abraça a essência do sopro que explodiu fazendo vida e que o guarda num tempo sem fim. Aprecia deambular por uma realidade diferente vivida por um carpe diem positivo e explorado. Este guerreiro de um presente sem ajuda de magos, feiticeiros ou seres alados, encontra a réstia de uma magia antiga e docemente real através da sua paixão pela fotografia. E nela capta a sua visão do mundo que o criou e que gere tantas outras mestrias, para as quais, não basta olhar, é preciso sentir toda a sua graciosidade e importância. 

Este pergaminho não se deixa tocar, pois nele, subsiste vida sem precisar da minha magia para o acordar. Basta um sopro com desejo de o saborear para o pergaminho embrulhado estender-se e permitir ser graciosamente ditado.

O corvo negro voou procurando indícios da passagem deste guardião de momentos. Procurou-o por extensos vales, por praias desertas, por montanhas altas. Mas este membro com um coração onde cabe um mundo inteiro, corria todos os caminhos com um olhar profundo e atento. 

Algures numa floresta encoberta por verdejantes caminhos, o anfitrião viu algo a brilhar, o fecho da mochila revelou-o ali tão perto. Aproximou-se e reconheceu-o. O corvo negro pairou sobre um ramo de uma árvore gigantesca e ficou a observar o guardião de momentos.

Deambulava por uma serra adornada por uma natureza exuberante. As flores pareciam vestidas de cetim e tocadas por um encantamento que vinha algures de uma brisa que não se via. Agachou-se examinando a perfeição de uma daquelas flores, fotografando a sua beleza.

- De que lindas cores és feita preciosa flor? – perguntou delicado à perfeição da natureza.

Aquela planta ao sentir-se observada, esticou-se de fininho e orgulhosamente, coloriu as faces das suas pétalas e ofereceu um sorriso prolongado que o membro aceitou e guardou. Então a flor respondeu: 



- Sou feita das cores dos sentimentos que nutres por mim, sou feita do que os teus olhos crêem e desejam ver em mim – respondeu, relembrando que o mundo é feito de um dar e receber, que as emoções de um ser toca na alma do outro e nele embeleza a sua vida. Um eco dos desejos. 

Numa gargalhada tão saborosa, os dois seres animados, continuaram na sua nostalgia, interrogando e deslumbrando as maravilhas de um mundo comum. 

Um sussurro chegou aos ouvidos do Corvo negro e foi ouvido lá em baixo, pertinho do membro encontrado. Era a árvore que falava ao mundo:

- Porque deste momento tão simples podemos e devemos depreender que o mundo não é um lugar distante, mas sim, um lugar em que cada palma se pode unir, em que cada sorriso se pode juntar e presentear, em que cada lágrima se pode confortar. Porque somos feitos um pouco de todos e de todos vivemos um pouco. Porque somos iguais na sua concepção e diferentes nas suas escolhas e formas, porque nascemos e crescemos de um elo igual que procura o mesmo final da história: “felizes para sempre”.

O corvo negro recebeu a sabedoria da árvore e acenou em reconhecimento. Descoberto no seu esconderijo, o guardião de momentos acenou convidativo ao anfitrião. Levantou-se alegre num lugar tão harmonioso onde a sua alma prosperava e onde podia revelar-se curioso e perfeito, onde o seu desabafo podia ser ouvido e levado por outros ventos para ser transformado. Gesticulou em segredo para o mundo à sua volta o poder ouvir e para o qual desabafou abrindo os braços como se o quisesse abraçar por inteiro:

- Eu continuo a examinar e interrogar, eu continuo à espera que me mostrem as vossas cores, eu continuo a viver no mundo que desejo ser integralmente comum numa perfeição perpétua, eu continuo apaixonar-me por cada vivacidade do sopro da vida, porque eu continuo aqui e quero ajudar a colorir este mundo.

A natureza pareceu querer abraçá-lo por tamanha paixão. Toda aquela extensão de vida engrandeceu pelas graças do visionador. A flor sorriu mais uma vez e uma pequena gargalhada fez soar atenção do membro.

- Quem és tu nobre homem? Que nome devemos guardar na nossa memória? – questionou movendo-se no seu pedaço de terra fértil.

- Que as vossas memórias guardem o nome de um tal José, que guardem, sobretudo, a chama que vinga no seu olhar com brilho de paixão, que a guarda e partilha sempre, para quem a quiser igualmente adorar.

O corvo negro saudou um tal José, o guardião de momentos. Alegrou-o pela graça de o receber no seu salão. O José agradeceu o convite e aguardou que o sopro das asas do anfitrião o levasse para outras paragens onde a sua visão pudesse captar e adorar novos lugares com igual encanto.

A sua chegada ao salão foi graciosamente recebido por uma extensão de telas vivas de lugares novos de uma natureza sonhada, desejada e por fim criada. Maria_queenfire mantinha-se sorridente numa larga varanda do castelo do Fiacha onde a vista perdia-se por um longo horizonte vivo e belo. 

Dragão Negro sobrevoava o extenso jardim de cor onde a doce raposa colhia novas flores para as jarras do salão. As ninfas dançavam ao sabor do vento acompanhadas por um latido divertido e satisfeito, sob o olhar atento de Ubik que se resguardava num canto com um pequeno homem igual a si a ditar uma qualquer história. 

José sorriu por conhecer tão belo lugar e retratou os melhores momentos até ali presenteados.

Guardiã do Tempo



8 de Março - Dia Internacional da Mulher e Marina Colassanti

Há quem refira que a 8 de Março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos em Nova Iorque fizeram greve. Ocuparam a fábrica e reivindicaram melhores condições de trabalho, nomeadamente equiparação de salários com os homens, menor carga horária e tratamento digno no ambiente de trabalho. 

Esta manifestação foi reprimida com enorme violência e as mulheres foram trancadas dentro da fábrica. Foi incendiada e morreram cerca de 130 tecelãs carbonizadas.

Em muitos locais faz-se referência a esta situação como o despoletar para que a 8 de Março se comemore o Dia Internacional da Mulher. Mas também há fontes que afirmam que este incêndio foi um acidente e que se passou em 25 de Março de 1911.

Há quem refira que a origem deste dia se prenda com as manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial.

Várias fontes referem que o primeiro Dia Internacional da Mulher foi celebrado em 28 de Fevereiro de 1909 nos Estados Unidos,  em memória do protesto contra as más condições de trabalho das operárias da indústria do vestuário.
No entanto foi no ano de 1910 numa conferência na Dinamarca, dirigida pela Internacional Socialista que foi aprovada a comemoração de um Dia Internacional da Mulher. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU.

Factos históricos um pouco ambíguos, que não determinam a origem certa e o que levou a que este dia 8 de Março sejam considerado o Dia da Mulher, caracterizaram a minha breve busca na internet.
No entanto, factos à parte, o que é certo é que ainda hoje, independentemente de haver um dia para este fim, assistimos a inúmeras situações discriminatórias entre os dois sexos, havendo mesmo certos países em que tal facto é de uma enorme atrocidade.

Não me considero uma feminista, pois acho que cada sexo tem as suas qualidades, defeitos e características e "cada um é como cada qual", cada individuo é um ser próprio e não podemos ser iguais a outro. Mas confesso que defendo direitos iguais, valorizações profissionais iguais e que o trabalho desempenhado por uns e por outros sejam avaliado de uma forma igualmente justa e correcta. 

Sem me querer alongar muito neste comentário apenas vos quero deixar um pequeno conto de uma escritora Marina Colasanti (nascida na Etiópia e que aos 11 anos foi para o Brasil onde vive até aos dias de hoje, daí que o texto esteja em português do Brasil) em homenagem a todas as tecelãs que morreram naquele dia, a todas as outras que desconhecemos e a todas nós mulheres que temos voz e que temos direito a termos vontade própria.



A Moça Tecelã 

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor de luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos de algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao seu lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida.

Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

- Uma casa melhor é necessária, -- disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Para que ter casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cómodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

- É para que ninguém saiba do tapete, -- disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: -- Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.