Para quem já se habituou às minhas mensagens fofinhas, onde acabamos todos a recordar a nossa infância hoje vou desiludir-vos. Hoje venho com necessidade de desabafar e de deitar cá para fora uma situação que aconteceu comigo e me deixou muito revoltada e ainda hoje não me sai da cabeça. E podem ficar mais aliviados por não ter escrito este post no dia em que tudo aconteceu, pois aí aposto que conseguia por-vos todos com a lágrima ao canto do olho, talvez até os menos sensíveis. Para começar aviso-vos que os mais sensíveis devem retirar-se agora e não avançar mais na leitura. Talvez eu esteja a exagerar mas é melhor avisar já. A única conclusão a que cheguei no meio disto tudo é que eu devo ser demasiado piegas para ter agido como agi, já que até houve quem viesse brincar com os meus sentimentos e gozar com a forma como eu fiquei.
Tudo aconteceu no domingo passado. Estava um dia solarengo e nem estava muito frio, sequer. Apesar de me apetecer ficar por casa, fui desafiada por uma prima e uma amiga a ir um pouco à esplanada apanhar sol. Parece que estava a adivinhar, ao querer ficar em casa, mas cedi e lá fui eu. Bebemos café e resolvemos ir dar uma voltinha a pé para aproveitar o bom tempo. Ao nos aproximarmos de um cruzamento uma rapariga chamou-nos porque não sabia o que fazer. Estava ali um gatinho atropelado e ninguém fazia nada. Caiu-me tudo aos pés e ainda mais quando olhei e vi o gato no meio da estrada. Estava no meio das duas faixas, sem se conseguir levantar. E os carros passavam normalmente, como se não houvesse ali nada. Só de pensar na cena, já fico triste...
Lembrámo-nos de uma senhora que mora ali perto e que dá comida a alguns gatos abandonados e por acaso o marido dela estava ali perto. Perguntámos-lhe se o gatinho era dele. O senhor foi lá, olhou para o gato e disse "não, não é meu" e assim virou as costas e foi-se embora. Não era dele, logo não importava. Ninguém queria pegar no gato, nem que fosse para o tirar da estrada. Lá fui ao pé dele, estava em volto numa poça de sangue. Era um gato bebé, talvez com 3 ou 4 meses, e até não estava mal tratado. Não estava magro e o pêlo era macio. Reparei que a pancada foi mesmo na cabeça. Alguém lhe bateu e deixou-o ali à sua sorte, como se nada fosse. Já não tinha um olho e notava-se a dificuldade para respirar enquanto o sangue saía.
Enquanto ali estive, no meio da estrada, os carros continuaram a passar como se nada fosse. Lembro-me de uma senhora que colou a cabeça ao vidro do carro, enquanto o marido abrandou para ela poder ver bem a cena e depois seguiram viagem como se nada fosse. Tudo isto me estava a deixar revoltadíssima e a dar voltas ao estômago. Como é que mais ninguém se sentia obrigado a ajudar aquele ser tão pequenino? Ficava ali no meio da estrada, a esvair-se em sangue, até que finalmente tivesse a sorte de morrer, enquanto as pessoas passavam e viravam a cara ou murmuravam "coitadinho" e seguiam as vidas delas. Finalmente ganhei coragem e peguei no gato (o meu único receio era magoá-lo ainda mais - ao contrário das outras pessoas que pareciam ter medo de apanhar sarna) e levei-o para o passeio.
Entretanto chamei a minha mãe, que no que toca a bichos, é uma maricas como eu. No tempo em que esperava por ela, várias foram as pessoas que me disseram coisas como "ele vai morrer, deixa-o e anda-te embora". Como é?? Como ele vai morrer, deixo-o ali sozinho? Como não tem dono, não merece um bocadinho de dignidade? Nunca me senti tão revoltada, incluindo com as pessoas que ali chegaram comigo. Como podem apregoar que gostam muito de animais e que não suportam vê-los a sofrer, se depois são capazes de deixar o bicho sozinho a esvair-se em sangue?? Porque foi mesmo isto que aconteceu... E a única preocupação naquela situação era "quem é que paga??" para chamar um veterinário e abater o gato. Foda-se....
Lá chegou a minha mãe que trouxe algumas toalhas para enrolar à volta do gato. Já sabíamos que o mais certo era que o gato não tivesse salvação, por isso precisávamos de um veterinário que lhe desse a injecção e acabasse com o sofrimento do bicho. Ligámos para todos os veterinários de Castelo de Vide e ninguém atendeu o telefone. Nem um. Sim, era domingo, mas já que andam sempre a dizer que fazem consultas de urgência- que são pagas a peso de ouro-, como é que nenhum dos 5 ou 6 que temos cá, atendeu a porra do telefone? Parece que quanto maior é o desespero de uma pessoa, menos ajuda consegue... Tentámos ainda uma clínica em Portalegre onde já sabíamos que a consulta de urgência ia ser caríssima, mas mesmo assim.... Mais uma vez, ninguém atendeu...
Resolvemos ligar ao veterinário dos nossos cães, de quem gostamos muito mas que nesta situação não era prático: o consultório fica em Espanha. Os meus cães são acompanhados lá tanto pelo baixo preço da consulta, como pela simpatia e profissionalismo do médico. Compensa bastante ter que ir até Espanha para isso. Foi o único que se disponibilizou a atender-nos e disse prontamente que podíamos dirigir-nos ao consultório. Com o gato enrolado nas toalhas que iam aparando o sangue, e a minha mãe a segurá-lo bem, peguei no carro e fomos para Espanha. A minha prima e a outra rapariga foram dar uma volta por Castelo de Vide, como se nada fosse. Eu sei que não posso censurar as pessoas por serem frias, mas foda-se....
Ao longo da viagem, que durou cerca de 20 minutos, o gatinho lá foi. Aos pouco ia-se mexendo mais pois devia ter medo do que se passaria à volta dele. Confesso que ainda tinha esperanças que o gato se salvasse. Se houvesse essa hipótese, estava disposta a tratar dele e a recebê-lo cá em casa (juntamente com os outros 5 que eu já tenho - sem contar com os cães!). E a minha mãe também. O importante era que não sofresse mais. Chegadas ao consultório, o médico ficou triste ao vê-lo. Não era mais que um bebé. Tinha um olho a que precisaria de operação e a mandíbula partida. E até se poderia salvar mas os danos da pancada no cérebro seriam irreversíveis. Ele mesmo achou que o melhor seria abater o gatinho. E assim foi, preparou a injecção e em menos de nada acabou-se o sofrimento.
Fiquei aliviada, mas custou-me tanto... Sei que fiz tudo o que podia para ajudar o gato a não sofrer, mas tudo o que vi, desde o gato deitado na estrada, mais as pessoas a passar e a dizerem-me para o deixar ali à sua sorte, deixou-me muito revoltada. Sou menina para nunca mais olhar para essas pessoas com os mesmos olhos, não duvidem. E ao contrário dos veterinários portugueses que nem foram capazes de atender o telefone, o médico nem nos cobrou a consulta de urgência. E viu-se que ficou abalado com a situação, tal como nós estávamos.
Ainda hoje penso em tudo isto e me dá vontade de chorar. Penso, vezes sem conta, que ele já não está a sofrer. Que se eu tivesse ficado em casa naquele dia, ele tinha ficado ali na estrada sem que ninguém se importasse. Se fosse uma pessoa, também teriam passado com os carros ao lado, a murmurar "coitadinho" e a seguir viagem? Também iam lá ao pé para dizerem "não conheço" e virar as costas? Porque é que o gato merecia menos que isso? Não é um ser vivo?
Posso chocar muita gente por dizer isto, mas custa-me mais ver um bicho assim, do que uma pessoa. E o domingo passado só serviu para reforçar ainda mais a minha mentalidade. Hoje vim aqui partilhar esta história, porque precisava de desabafar. Sei que nem todos são impressionáveis como eu e que alguns vão achar que eu o devia ter deixado lá a morrer, porque era apenas um gato. Mas não podia deixar de denunciar este caso. Quem me dera saber quem fez tamanha crueldade, que já tinha feito queixa às autoridades... Seja como for, peço desculpa pelo desabafo e pelos palavrões que foram saindo...