Viva,
Partilho mais um processo de escrita, de um escritor que muito admiro e um livro que simplesmente adorei, vale bem a pena podem ter a certeza, pois é um misto de FC com fantasia e com muito do misterioso oriente presente :)
Há talento nos escritores nacionais, acreditem...espero que gostem ;)
Podem ler o resumo do livro aqui
Escrevi durante muitos anos até perceber que tinha um processo. Esta percepção permitiu-me trabalhar com maior tolerância para com as minhas fraquezas e ter mais prazer na escrita. Devo dizer que hoje em dia trabalho muito em diversos tipos de escrita que têm processos e dificuldades um pouco diferentes: romances, teatro e cinema. Não vou referir-me à escrita de contos, que tem um processo específico e a maior parte das vezes escrevo de enfiada.
Deixem-me, então, fazer-vos um panorama.
Eu sou relativamente prolífico em termos de ideias. Várias vezes por mês me vêm ideias interessantes de projectos para escrever, e anoto-as a maior parte das vezes, embora descarte e não pegue na maioria delas. Normalmente, no entanto, se estou entusiasmado com uma ideia, começo muito rapidamente a escrever: as primeira páginas ou cenas. Este é o meu modo de me apaixonar pelos projectos, permitindo-me sentir o estilo e as personagens. Escrevo dez, vinte páginas imediatamente. No entanto, rapidamente abandono o projecto: não por falta de vontade de investimento, mas porque no momento em que percebo que vou levar este projecto a sério, a estrutura ganha importância. E assim posso passar muitos meses ou anos simplesmente a brincar com as personagens, e os mundos e as cenas, na minha cabeça, a delinear o enredo cuidadosamente, a pesquisar todo o tipo de referências e características disto ou daquilo. Isto pode ser frustrante, no sentido em que não é pouco usual os meus projectos levarem mais de uma década a virem para o papel. Sim, eu disse década. Não estou a brincar. Tenho, neste momento, na minha cabeça, vários projectos que irão demorar mais de uma década a concretizar. Mas uma coisa que aprendi é que sou persistente e se os projectos forem suficientemente bons, vão-se concretizando.
Uma consequência interessante desta demora e deste cuidado é que acabo por re-escrever pouco. Quando escrevo já escrevo muito perto da forma final, embora esteja constantemente a rever tudo o que está escrito dos projectos que tenho em andamento. Uma outra característica deste processo aparentemente interminável é que tenho sempre vários projectos em andamento.
Agora algumas diferenças entre as formas. A escrita mais técnica que conheço é a escrita de argumentos para cinema ou televisão. Aqui, a estrutura é mais importante o que nunca, pois quando for o momento de filmar e mudar uma coisa ou outra, é preciso que o todo seja muito consistente e aguente a violência de ser trabalhado por dezenas e dezenas de pessoas criativas. Assim, para os argumentos, uso normalmente três instrumentos específicos: a Beat Sheet de Snyder permite-me ter o esqueleto da estrutura em 15 beats muito bem definidos; o Step-outline permite-me definir os músculos e a carne da estrutura; e, por fim, quando vou finalmente escrever as cenas faço-o com um programa de escrita de argumentos que ajuda na formatação – no meu caso, o Final Draft.
Quando escrevo romance, por vezes também uso a Beat Sheet, que pode ser muito útil, mas de uma forma ou outra, a estrutura tem de ficar muito clara na minha cabeça antes de escrever o grosso do texto. Quando não está, ou no processo de escrita verifico que tenho de a mudar, o normal é bloquear e não voltar àquele projecto sem que tenha conseguido resolver o problema estrutural. Quando, no entanto, estou bem preparado e é altura de escrever, uso muito a visualização. Uma visualização cada vez mais concreta. Ou seja: penso muito no que quero escrever e em como quero escrever. Vou ao pormenor de pensar na frase em concreto ou num diálogo específico. Se, por acaso, isto me surgir fora de tempo, me ocorrer um diálogo que quero explorar mais à frente, por exemplo, é frequente escrever cenas em notas à parte que depois irei buscar. Assim, parto para a escrita. Normalmente de madrugada ou no início da manhã, embora possa ocorrer em qualquer altura do dia, na verdade. Não gosto de ser interrompido, por isso acabo por escrever em momentos em que as interrupções são menos prováveis.
As peças de teatro normalmente têm uma estrutura mais fluida e mais simples do que os argumentos e os romances, da maneira como as escrevo, e dependem muito mais do conceito e das personagens. Tenho de sentir muito bem as personagens e escrevo mais ao correr da pena. É um meio e um estilo que gostaria de explorar muito mais no futuro, mas não para já.
Pronto, e é isto. Tento escrever todos os dias, mas mesmo quando não estou a escrever ao computador estou a explorar e a pensar na escrita, e a planear e a pesquisar e a elaborar. Assim, é um trabalho diário e mais intenso do que se possa pensar. Durante bastante tempo senti-me culpado por não escrever mais palavras por dia, mas comecei a perceber que estava a trabalhar bastante de qualquer modo e que estava a produzir com alguma regularidade. Nos últimos seis meses, por exemplo, terminei um romance, entrei no último terço da escrita de outro, escrevi uma pequena peça de teatro, um guião para uma longa-metragem cinematográfica e afinei o guião para um piloto para televisão que produzi. Por isso, embora este processo pareça frustrante – e não o aconselho a ninguém, garanto – parece estar a funcionar.
Se estiverem interessados em saber mais sobre técnicas e conhecimento de escrita de argumentos, contactem a escola Act for All, onde dou algumas workshops sobre o assunto. É o tipo de escrita que desaconselho vivamente tentarem sem know-how específico. Mas é muito aliciante, digo-vos.